quarta-feira, 22 de julho de 2009

A saga da família Buarque de Hollanda

Publicado na revista ISTOÉ.


Por Francisco Alves Filho


O compositor Chico Buarque de Hollanda e seus olhos cor de ardósia nunca existiriam se o corajoso Arnau de Hol-landa não tivesse embarcado na caravela que o trouxe de Portugal para o Brasil, em 1535. O marujo foi o marco inicial da família do compositor. Personalidades como o historiador Sérgio, o filólogo Aurélio e tantos outros Buarque de Hollanda também devem sua existência ao tripulante da nau que Duarte Coelho comandou para ocupar sua capitania. A descrição dessa linhagem, dos tempos coloniais até hoje, está em Buarque – uma família brasileira, de Bartolomeu Buar-que de Holanda (Casa da Palavra). São dois livros (um ensaio histórico-genealógico de 1.200 páginas e um romance de 200 páginas), resultado da pesquisa de 24 anos em mais de 15 mil documentos. Enquanto conta a saga dessa família repleta de personalidades importantes, o autor vai revelando aspectos pouco conhecidos da história do Brasil. A genealogia ganha ares romanescos e vice-versa. O padre cujo amor à sinhazinha o leva a largar a batina, o senhor de engenho que se casa com a escrava e o ministro que agoniza sob os olhos do imperador, são alguns dos casos relatados.

A própria pesquisa de Bartolomeu é uma aventura. Ele vasculhou diários e arquivos de cartórios brasileiros, a maioria na região sul de Pernambuco: “As condições de conservação dos documentos são péssimas. Diversos papéis foram consumidos pelas traças ou se extraviaram.” A documentação relativa ao período de 1670 a 1750 simplesmente sumiu. Ele também foi à Universidade de Coimbra, ao Arquivo Ultramarino e à Torre do Tombo, em Portugal. A começar pelo próprio Arnau, oriundo dos Países Baixos e sobrinho do papa Adriano I, os Buarque de Hollanda fascinam. Arnau teve papel importante na implantação da capitania em Porto Calvo, nas Alagoas. Primeiro representante dos Hollanda, ele chegou ao Brasil 180 anos antes do primeiro Buarque. A união das duas vertentes aconteceu em 1850, quando Manoel Buarque de Gusmão se casou com Maria Magdalena Paes Barreto de Hollanda Cavalcanti (a partir daí, cada um foi grafando o Hollanda a seu bel-prazer, com um ou dois “l”).


O ramo mais recente da família descende da união do poderoso senhor de engenho José Ignacio Buarque de Macedo com a escrava Maria José. Os dois se casaram em 1797 e, apesar de analfabeta, ela deu prioridade à educação dos filhos. Um deles, Antonio, tornouse conselheiro e ministro do Supremo. O neto, Manoel Buarque de Macedo, foi ministro da Agricultura do Império. O romance termina justamente no falecimento de Manoel, durante a inauguração da Estrada de Ferro Leopoldina. Entre os que o visitaram em seu leito de morte estava dom Pedro II. “Alteza, eu morro pelo meu trabalho”, teria dito ele. Descenderam também dessa união personalidades de destaque da nossa história recente. O historiador Sérgio Buarque de Hol-landa, autor de Raízes do Brasil, é trineto – e foi o primeiro a tirar um “l” do sobrenome. O filólogo Aurélio, autor do dicionário Aurélio, é tetraneto, como o senador Cristovam e o compositor Chico Buarque.


De outros ramos recentes também despontaram figuras importantes como Luiz Felipe Lampréia, ex-ministro das Relações Exteriores do governo Fernando Henrique, e Pedro Parente, ex-ministro do Planejamento na mesma gestão. Representante da 12a geração, formado em ciências econômicas e pesquisador por pura paixão, Bartolomeu leva ao extremo o interesse genealógico que Chico Buarque esboçou na música Paratodos. O artista relaciona: “O meu pai era paulista/ meu avô, pernambucano/ o meu bisavô, mineiro/ meu tataravô, baiano...”. Parou por aí. Afinal, nenhuma música reuniria os 8.213 ascendentes que fizeram da família Buarque de Hollanda um resumo vitorioso da miscigenação caraterística de nosso país

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