sexta-feira, 19 de março de 2010

Livro conta historia da família Buarque de Holanda

Diário do Pará, 27 de janeiro de 2010.

Era uma vez um Buarque, um dentre vários que já existiram e outros tantos que ainda estariam por vir. Era 1797 e, naquela ocasião, José Ignácio Buarque sai para pescar no mar de Maragogi, próximo de Recife. Um infortúnio das águas e dos ventos faz com que o barco vire e Ignácio fique prestes a se afogar. Se as águas tivessem vencido, tragando a vida de Ignácio, seria o fim de uma longa árvore genealógica, que privaria o Brasil de um número imenso de homens e mulheres que fizeram história como desembargadores, juízes, historiadores, pesquisadores e, claro, o músico.


Ignácio sobreviveu e deu origem a dezenas de descendentes, sendo que um em especial preocupou-se em registrar a história de seu antepassado, Bartolomeu Buarque de Holanda, autor do livro “Buarque – Uma Família Brasileira”, lançado este ano. Trata-se de um estudo detalhado sobre a origem da família “Buarque de Holanda”, desde a migração das primeiras famílias que carregavam o sobrenome Buarque. A história do afogamento foi contada a Bartolomeu ainda criança e, segundo ele, este foi o estopim de sua pesquisa.


“Lembro que meu pai contou essa história e eu fiquei fascinado. Ele dizia que esse quase foi o fim da nossa família, afinal, ninguém teria nascido se o Ignácio tivesse morrido. A partir daí, fiquei curioso sobre a vida dele e isso acabou me levando para histórias paralelas, que me levaram mais longe ainda”, comenta Bartolomeu, em entrevista por telefone. Bartolomeu Buarque é economista, mas a profissão não impediu sua paixão pela história da família.


Sua pesquisa data do início da década de 70, coletando depoimentos e materiais em cartórios de todo o país. Em 1992, Bartolomeu ganhou a ajuda de Rosana Delácio e de Yony de Sá Barreto Sampaio, professor do Departamento de Pesquisa e Pós-Graduação da Universidade Federal de Pernambuco. Juntos, eles foram responsáveis pela catalogação de 15 mil documentos. Para que a pesquisa não se tornasse maçante e, ao mesmo tempo, representasse boa parte do pensamento da época, Bartolomeu escreveu uma versão romanceada, misturando ficção e fatos históricos. Para os mais curiosos, o livro também tem uma versão “acadêmica”, como a pesquisa pura, detalhada em cerca de 1.200 páginas.


“Optei pelas duas versões justamente para que as pessoas pudessem escolher. O romance mostrará não só a história dos Buarque de Holanda, mas a história cultural das famílias que cruzaram seus nomes com os nossos”, diz Bartolomeu. O berço desta história está no nordeste, no trecho que compreende Alagoas e Recife, onde há registros de que o padre Antônio Buarque Lisboa se apaixonou pela sinhazinha Ana Tereza Lins, na cidade de Porto Calvo (Alagoas). A união, que já não era bem vista na época, gerou Manuel Buarque de Jesus.


“Um dos documentos mais preciosos que encontrei durante a pesquisa foi um pedido de legitimação do Padre Antônio Buarque, que deseja assumir seu filho com Ana Tereza. Naquela época, não era uma coisa tão absurda os padres terem filhos, mas era preciso ter o reconhecimento da Igreja em Portugal”, explica Bartolomeu. O romance, que já está ganhando destaque tanto no Brasil, quanto em Portugal, não chega a ser uma apologia aos “Buarque de Holanda”, ou mesmo uma biografia do famoso Chico Buarque, primo de segundo grau do autor. A obra é uma visão histórica sobre o desenvolvimento de uma das famílias que sempre estiveram presentes em fatos importantes do país.

ESTUDO

A trama começa no século XVI, ainda na colonização do Brasil, e segue até 1881, com a vida do Ministro Buarque de Macedo, conhecido por ter sido um político que não quis enriquecer às custas do povo. “Eu quis mostrar estes personagens que foram marcantes na árvore genealógica da família. Acredito que, entre todas as ramificações, a mais curiosa é a que gerou a união de José Ignácio Buarque de Macedo e a escrava Maria José. Apesar de analfabeta, ela foi a primeira mulher na família a colocar o estudo como prioridade. Curiosamente, seus descendente fizeram jus à dedicação e geraram figuras como Aurélio Buarque, Chico Buarque e Cristóvam Buarque, entre outros”, explica o autor.


Apesar dos Buarque terem se espalhado principalmente pelos Estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Pernambuco e Alagoas, há registros de descendentes no Pará. O desembargador Manoel Buarque da Rocha Pedregulho viveu no Pará no final do século XIX e trabalhou em diversos municípios do interior, como Muaná, Curralinho e São João do Araguaia.


Atualmente, um das herdeiras do nome em Belém é a juíza Filomena Buarque, que esteve presente no lançamento do livro, evento que contou com mais de mil Buarque, Hollanda e curiosos afins. Aliás, aos curiosos, a junção do nome surgiu apenas quando Maria Madalena Paes Barreto de Hollanda Cavalcante casou-se com Manoel Buarque, neto de Maria José (a ex-escrava). A pesquisa de Bartolomeu Buarque é um convite a rever a história do país na perspectiva de duas famílias que estiveram presentes em grandes momentos. A história de “Buarque – Uma Família Brasileira” termina em 1881, no entanto, o autor sabe que há muito mais narrativas que devem ser contadas. “Existem muitas histórias até o dia de hoje e, quem sabe, isso pode se transformar em mais um livro”, diz o autor empolgado.


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Raízes dos Buarques

por Adriano Belisário

Revista de História da Biblioteca Nacional - 01.03.2010

Avizinhando-se as comemorações de seu centenário em maio, Aurélio Buarque de Holanda seria capaz de esquecer-se da grande data se estivesse vivo. O talento do lexicógrafo no registro dos vocábulos contrastava com sua incrível distração. Uma característica que rendeu diversas histórias inusitadas, como quando foi ao banco com um cheque querendo sacar dinheiro para a compra de alguns livros. No caixa, o atendente o reconheceu e disse que somente poderia emprestar a quantia a ele do próprio bolso, pois sua conta estava encerrada há mais de oito anos.

“Quando menino, ele conhecia muito mais de matemática. O pai dele tinha um pequeno comércio em Porto da Pedra (AL) e ele ficava no balcão, de atendente. Apenas com 12 ou 13 anos que ele se interessou pelo Português. Sempre teve um perfil de distração”, conta Bartolomeu Buarque de Holanda, economista que dedicou quase quatro décadas de sua vida para traçar o passado de sua ilustre família. A pesquisa foi publicada na extensa obra ‘Buarque: uma família brasileira’, que conta com duas versões: uma em romance e outra em formato de ensaio histórico-genealógico.

Em outra ocasião, Aurélio fez sinal para pegar um táxi em Paris. A corrida durou algumas horas, entre as paradas e uma animada prosa com o motorista. Terminado o trajeto, o filólogo perguntou quanto deveria pagar e se surpreendeu quando o condutor disse que não iria lhe cobrar nada, pois se tra
tava de um carro particular. Envolvido pela conversa de Aurélio, o motorista resolveu guiá-lo pela cidade.

Porém, se tinha a cabeça nas nuvens, Aurélio Buarque soube bem manter os olhos nos livros. Uma tendência quase hereditária, segundo Bartolomeu. Primo distante do historiador Sérgio de Buarque de Holanda, Aurélio pertence a uma família que tem a educação como prioridade há séculos. “Fizemos toda árvore genealógica a partir do século XIX. Desde o casamento entre Maria José e José Inácio Buarque em 1817, a família tem esse perfil intelectual. O interessante é que foi ela, uma escrava índia e analfabeta, que deu esse rumo. Todos seus filhos fizeram curso universitário”, explica Bartolomeu.

A investigação do economista sobre as raízes de seus ancestrais seria apenas uma tese de mestrado, não fosse o entusiasmo de outro membro da família. Percebendo a dimensão da pesquisa, o senador Cristovam Buarque sugeriu a realização de um trabalho mais extenso, que contou com parceria da
Universidade Federal de Pernambuco e levantou cerca de 15 mil documentos no Brasil e em Portugal.

Mesmo com os livros sobre a família Buarque de Holanda publicados
há três anos, Bartolomeu Buarque não pretende abandonar a temática tão cedo. A ideia agora é fazer um desdobramento dos ramos genealógicos lusitanos da família. “O primeiro Buarque aqui no Brasil é Antônio Buarque Lisboa, mas você chega em Portugal e não tem ninguém com esse sobrenome nos arquivos. Há dados que indicam que se trata de uma família holandesa que se estabeleceu em uma cidade chamada Buarcos no século XVII. Devo trabalhar agora neste complemento da pesquisa com o tronco português da árvore genealógica dos Buarques”, planeja.